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terça-feira, 22 de março de 2011

Esporte

Crônica / Artigo - Atividade física

Treinamento de força: função ou estética?



Em meu último artigo para a LivrEsportes, falei sobre a importância do treinamento de força para a promoção da saúde, notadamente na população de meia e terceira idade, e chamei a atenção para o fato desse público normalmente não compreender o caráter de imprescindibilidade que o treinamento de força e, consequentemente, a manutenção e/ou o resgate da massa muscular, exerce sobre suas vidas. Normalmente não enxergamos esse papel por parte dos músculos esqueléticos pelo fato de que, no ambiente das academias brasileiras, os músculos são vistos estritamente como instrumento de promoção estética, tamanha é a valorização da estética em detrimento da função. 

O ideal de busca nas academias não deveria ser o aumento da massa muscular exclusivamente para alcançar metas estéticas, mas sim, para melhorar a capacidade de trabalho motor dos indivíduos, o que significa atingir níveis ótimos do que eu denomino de força funcional, por meio de uma hipertrofia funcional. Quais os níveis de ganho de massa muscular necessários para obter níveis de força compatíveis com minhas tarefas motoras cotidianas? E como o programa de força deve ser estruturado para assegurar a manutenção dessa massa muscular, assim como a atenuação de sua perda associada ao processo de envelhecimento? Essas deveriam ser questões obrigatoriamente presentes na pauta das academias, ao invés das convencionais: quais suplementos devo ingerir para acelerar a hipertrofia, ou qual exercício é mais eficaz para maior hipertrofia do bíceps, ou o que faço e que acelerador metabólico tomar para meu abdômen ficar tanquinho, ou pior, qual esteróide anabolizante tem mais resultado imediato?
   
Obviamente, esse enfoque sobre a função, em detrimento da estética pura, desencadearia uma revolução nas proposições metodológicas, fato que resultaria, certamente, numa redução do tempo total de prática de cada sessão de treino, uma vez que os treinamentos pautados no valor estético são abusivos no tocante à relação tempo de exercício e tempo de descanso. Com dois grupos musculares treinados na sessão, fisiculturistas recreacionais chegam a ficar na academia cerca de 70 a 90 minutos, distribuídos em aproximadamente 12 a 15 minutos de exercício e 50 a 70 minutos de descanso entre as séries. Parece obvio o motivo pelo qual tantas pessoas iniciam programas de exercício em academias e abandonam após 1 a 2 meses do início.

Os modelos necessitam serem mais dinâmicos, ágeis, concisos e, acima de tudo, individualizados, sobretudo às expectativas de melhora da aptidão física global, uma vez que os modelos convencionais de aplicação generalizada, são concebidos a partir do valor unicamente estético. O que explica uma pessoa que busca condicionamento físico, melhora da saúde e qualidade de vida por meio dos exercícios de força (algo tão importante!), realizar três séries de rosca direta, rosca alternada e rosca concentrada para o músculo bíceps braquial? E depois ainda fazer mais outros três exercícios com três séries para o tríceps! Definitivamente, esse modelo de treino pautado no método das séries múltiplas, com inúmeros exercícios para o mesmo grupo muscular, só interessa a quem busca estética e “desenho” muscular; é por isso que se adota uma maior gama de exercícios para o mesmo grupo muscular, para diversificar os efeitos hipertróficos sobre as várias porções do mesmo músculo. Isso é algo que somente se justifica em função da preocupação meramente estética. Mas não é esse o interesse e a necessidade de muitos indivíduos de meia-idade, de obesos (quanto bíceps e tríceps para emagrecer!), de idosos, de diabéticos, de hipertensos, de lesionados articulares, etc. 

Todos esses indivíduos são clientes potenciais de academias, mas, simplesmente, não estão sendo atendidos em suas demandas e particularidades individuais, uma vez que as academias, em sua grande maioria, não contemplam programas individualizados de treinamento, nem tampouco, conseguem enxergar as demandas além do valor meramente estético. Será que um obeso de meia-idade tem rigorosamente as mesmas demandas de treino que um jovem magro saudável? Obviamente, as demandas de ambos são absolutamente diferentes, mas ambos realizam a mesma quantidade de exercícios e séries para os mesmos grupos musculares e dedicam tempos semelhantes de treino para grupos pequenos e grandes, sendo que o impacto de ambos para o emagrecimento é diferente. As pessoas cujo interesse não se concentra na busca estética, de volume muscular, normalmente não aderem aos programas das academias e desistem, infelizmente, por não terem suas expectativas e individualidades atendidas.

Onde estão os programas mais ágeis, com menor tempo perdido em momentos de descanso (mas sem desrespeitar a capacidade de trabalho momentâneo e de recuperação das séries) e com resultados assegurados, com ênfase nos grandes grupos, com maior gasto calórico (quem informa quanto se gasta de calorias totais nos treinos propostos para emagrecimento ao obeso? Isso é tão necessário quanto o nutricionista saber qual a ingestão calórica total de seu cardápio para o mesmo paciente obeso!!!), com taxas específicas de redução aguda da glicemia e da P.A. (quem informa também sobre isso?), com menores frequências semanais, combinados com outros meios de exercício ao longo da semana?    A diversificação e a individualização dos modelos de treino são imprescindíveis para assegurar maior diversificação de público. As academias oferecerem um único modelo de treinamento e esperarem maior abrangência de público, significa o mesmo que uma loja oferecer somente um modelo de calça ou camisa, e ainda ter a pretensão de ampliar sua clientela!!!
   
Nessa linha de abordagem funcional, a estética, consequentemente, virá (não nas mesmas proporções), sem que seja paranóica e compulsivamente (e perigosamente!!!) perseguida.
    
As academias brasileiras precisam avançar, sob pena de continuarem a segmentar seu público e se tornarem, cada vez mais, excludentes, justamente do público que mais necessita do treinamento de força para melhora de seus níveis gerais de qualidade de vida.


Prof. Cássio Mascarenhas Robert Pires
Graduado em Educação Física (FESC – São Carlos), Pós-graduado em Treinamento Desportivo (UNIMEP  - Piracicaba), Pós-graduado em Ciências do Esporte (UNICAMP – Campinas), Mestre em Ciências Fisiológicas (UFSCar – São Carlos), Docente da UNIARA, UNICEP, Moura Lacerda e Faculdades COC, Docente em cursos de Pós-graduação Lato-sensu em todo o país e Diretor do CEFEMA (Centro de Estudos em Fisiologia do Exercício, Musculação e Avaliação Física – Araraquara, SP). 
Contato: cefema2010@hotmail.com / cassiomrp@terra.com.br

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